Se a CIA me bater à porta ofereço-lhes um café
Agosto 04, 2010
sattotal
Três jovens portugueses decidiram localizar no Google Maps as sedes de quase duas centenas de serviços secretos de todo mundo e chamaram a atenção do «The Washington Post»
São portugueses, conheceram-se na Internet e foi na Internet que se uniram num projecto comum: o «World Intelligence HQ`s» , que tem como objectivo colocar no mapa as sedes dos serviços secretos mundiais. Já assinalaram no Google Maps cerca de 180 secretas de dezenas de países de todo o mundo. Garantem que se limitam a agregar informação dispersa, sem colocar em risco qualquer segredo de Estado.
Os interesses de Ana Coimbra, de 26 anos, André de Borges, 24, e Yannick Carvalho, 25, podem ser sobre de um mundo de agentes secretos e de segredos, mas garantem que não estão ao serviço de qualquer tipo de agência obscura de informações. Ela é de Carnaxide e trabalha numa loja de roupa de um grande centro comercial em Lisboa, André é corrector de seguros e vive em Coimbra, Yannick é natural de São Brás de Alportel e é um estudante universitário duma área que, para as linhas desta reportagem, prefere manter em segredo (só podemos garantir que as saídas profissionais da área estão numa crise tão grande como as outras).
Numa conversa telefónica com o tvi24.pt, Yannick Carvalho explicou que os três amigos se encontraram pela primeira vez no ano passado numa página estrangeira. «Conhecemo-nos num site espanhol, o Intelpage, que é um dos melhores sobre espionagem», disse. Depois de descobrirem interesses comuns virtualmente, Yannick decidiu ir a Lisboa conhecer pessoalmente Ana. Depois foi a vez de irem os dois até Coimbra ter com André.
No fio da conversa que foram mantendo, germinou a semente do «World Intelligence HQ`s». E a ideia de recolher informações sobre as sedes dos serviços secretos deu lugar uma questão fundadora: «Por que é que não juntamos esses dados todos no Google Maps?». «Começámos a trabalhar em finais de Janeiro, inícios de Fevereiro», contou Yannick. E, até há uma semana, quando inseriram o quartel-general da DGSE, francesa, conseguiram juntar «cerca de 180».
«Cruzamos o máximo de informação»
O jovem salientou que uma boa parte das sedes de serviços secretos foram bastante fáceis de colocar debaixo da seta do rato de um computador no Google Maps. Outros deram mais trabalho e implicaram a consulta de documentos, grupos de discussão, chats especializados, livros, contactos... Chegaram até a falar com «pessoal da WikiLeaks» (o site que divulgou os polémicos documentos secretos sobre a guerra do Afeganistão), garantindo que não lhes foi fornecida qualquer informação sensível.
«Quem se interessa por este tipo de informação basta pesquisar, a Internet permite fazer isso», garantiu o estudante. Yannick salientou, porém, a importância que os três amigos dão à exactidão das informações que disponibilizam. «Cruzamos o máximo de informação. Não podemos dizer que acertamos 100 por cento das vezes, mas 99 por cento, talvez».
Por vezes, as dificuldades em colocar os dados no mapa têm a mais a ver com as limitações técnicas. «Em Angola, sabemos onde fica uma das sedes, mas as imagens no Google Maps não estão actualizadas. A nova sede dos serviços marroquinos também não está por falta de actualização».
Há ainda dificuldades de outra ordem, como a desorganização aparente de alguns serviços ou falta de informação na Internet sobre eles. Neste lote estão a Coreia do Norte ou da China, onde as agências se desmultiplicam umas dentro das outras. Por outro lado, há países onde o secretismo funciona. «Não temos muitas informações sobre a sede dos serviços secretos internos de Israel, o Shin Bet. Há rumores, até falámos com amigos em Telavive, mas não conseguimos nada. Por isso não pusemos nada». Yannick disse que agora os três estão concentrados em mapear alguns países da América Latina que estão em falta.
Até agora não foram contactados por nenhuma das agências secretas que indicaram no mapa. «Recebemos muitas mensagens. Uns a dizer bem outros a dizer mal, mas ninguém nos contactou de forma oficial». O mais estranho e intrigante, dizem, foi um que chegou de Londres. «Houve alguém que nos queria conhecer e nos pagava a viagem, por estar interessado no trabalho». «Mas não ligamos a esse tipo de mails. Pensamos que as agências não funcionam assim».
Se há ou não secretas atentas ao seu trabalho, não sabem. Certo é que suscitaram interesse suficiente na redacção do jornal norte-americano «The Washington Post» «The Washington Post» , que publicou um artigo sobre o «World Intelligence HQ`s». «Estávamos com algum receio de que estivéssemos a falar com o "inimigo", entre aspas, quando a jornalista americana nos ligou», disse Yannick, soltando uma breve gargalhada. «O contacto deles foi uma surpresa».
O jovem explicou depois que apenas o preocupam as agências que funcionam como «meios de opressão». Sobre as de Portugal e a maioria das que funcionam nos países ocidentais vê-as como «uma primeira linha de defesa». «São muito importantes para nossa vida, como garante das liberdades», acrescentou, salientado que no «World Intelligence HQ`s» não são revelados quaisquer dados que não sejam públicos ou que ponham em causa a actuação das instituições.
Neste lote de serviços o nariz só se torce quando fala das norte-americanas NSA e CIA. Diz que o que leu sobre elas o faz pensar que servem mais os seus «próprios interesses» dos que os do povo norte-americano. Mas não seria por isso que estaria disposto não recebê-los. «Se a CIA me bater à porta, eu ofereço um café. Se me pedirem para retirar o mapa, isso já não faço».
Links citados neste artigo
World Intelligence HQ`s
http://maps.google.com/maps/ms?ie=UTF8&hl=en&msa=0&msid=102228811394544621996.0004821371c35c91cbd39&ll=9.442504,39.980517&spn=171.496961,24.609375&t=h&z=1
The Washington Post
http://voices.washingtonpost.com/top-secret-america/2010/08/mapping_the_worlds_intel_agencies.html