O firmamento sempre exerceu fascínio e tem sido permanente fonte de inspiração para a humanidade. Com o progresso das cidades, nosso cotidiano ficou mergulhado em luzes artificiais e há muito deixamos de contemplar o céu. Talvez por ironia, observá-lo sistematicamente foi o que nos ajudou a chegar tão longe. Todas as nações sabem disso e muitas expressam esse significado em seus símbolos nacionais.
Bandeiras como a do Uruguai, por exemplo, exibem um glorioso sol com expressões humanas. O Japão também representa o astro-rei, mas com a simplicidade que o fez conhecido como "o país do Sol nascente". Formas estilizadas da lua são também encontradas em várias bandeiras, geralmente ao lado de estrelas, como a da Turquia.
Muitas vezes apenas estrelas são usadas com algum valor representativo, como na bandeira da China. Outras vezes vemos constelações inteiras, é o caso do Cruzeiro do Sul nas bandeiras da Austrália, Nova Zelândia, Papua Nova-Guiné e Samoa Ocidental, ou a Ursa Menor (uma constelação invisível para a maioria dos habitantes do hemisfério Sul) que figura na bandeira do Estado americano do Alasca.
Um céu de puríssimo azul
A BANDEIRA DO BRASIL, uma das mais belas e sugestivas do mundo, é também a única a representar nove constelações numa esfera celeste, como é chamado o globo imaginário que envolve a Terra com o firmamento.
Nessa bandeira, o círculo interno representa uma esfera celeste inclinada segundo a latitude da cidade do Rio de Janeiro às 08h e 14min (ou 12 horas siderais) do dia 15 de novembro de 1889 – data e local da Proclamação da República. Trata-se da mais completa ilustração celeste já imaginada para uma bandeira nacional. Conheça muito mais sobre a bandeira do Brasil nos tópicos a seguir.
Breve história da bandeira do Brasil
DE UM LADO HAVIA UM GRANDE DESCONFORTO em relação ao regime imperial no Brasil. De outro havia o positivismo, uma corrente de pensamento fundada na França por Auguste Comte (1798-1857) que foi mais que um sistema filosófico, trouxe uma nova concepção do mundo, uma nova classificação das ciências e um programa político de construção.
Apesar de afirmar que o método científico é o único válido para se chegar ao conhecimento, acabou exercendo um fascínio muito mais próximo da religião, tendo excelente penetração em muitos países, sobretudo no Brasil. Neste cenário, do fim do século XIX, surgiu a nova bandeira republicana.
Um reino por uma bandeira
A REPÚBLICA instalou-se rápido. De 15 de novembro de 1889 bastariam 15 meses para ser aceita em praticamente todo o país. Interrompendo por quatro dias a seqüência entre a bandeira imperial de 1822 e a republicana de 1889 surgiu, por meios não oficiais, aquela que ficaria conhecida como "Bandeira Provisória da República".
Possuía treze listras alternadas com duas cores e uma cantoneira com estrelas em número equivalente aos Estados Federados. Uma "cópia servil do pavilhão da república norte-americana", segundo declarou o escritor positivista Miguel Lemos (1854-1917). Esta bandeira nem chegou a ser utilizada pelas Forças Armadas, e mesmo sem originalidade, ao conservar o verde e amarelo das cores imperiais, manteve aproximação com o regime a qual acabavam de romper.
O projeto de Teixeira Mendes
UMA NOVA BANDEIRA republicana foi idealizada por Raimundo Teixeira Mendes, com a colaboração de Miguel Lemos e do Professor catedrático em Astronomia Manuel Pereira Reis, sendo o desenho executado por Décio Vilares.
Eles insistiram numa "fuga positivista a qualquer imitação norte-americana", preferindo fixar-se na França. A divisa "Ordem e Progresso" por si só já lembraria a França, sua origem foi o lema positivista de Auguste Comte: "o amor por princípio e a ordem por base; o progresso por fim".
Para atrair a simpatia - e garantir aprovação - Teixeira Mendes e Miguel Lemos pretendiam fazer entender que o criador da bandeira havia sido o General Benjamim Constant (1836-1891). Mas ele foi pouco mais que um intermediário entre os autores do projeto e o Governo Provisório. Constant apenas sugeriu destacar a constelação do Cruzeiro do Sul na bandeira, o que foi feito.
O Decreto No 4, de 19 de novembro de 1889, estabeleceu as diretrizes para a nova bandeira, armas e selos nacionais. A primeira bandeira republicana foi bordada por D. Flora Simas de Carvalho.
Para entender a bandeira
A BANDEIRA REPUBLICANA afinal não rompeu definitivamente com o Império. O retângulo e o losango permaneceram e com as mesmas tonalidades da bandeira imperial.
O círculo central em azul, no decreto simplesmente definido como "esfera", é um antigo emblema usado pelos romanos e que também aparece na bandeira do Principado do Brasil instituída por D. João IV, onde já constava, inclusive, a faixa branca no sentido descendente.
Tal faixa conferiu ao círculo a perspectiva esférica e permitiu a inscrição da legenda "Ordem e Progresso".
Análise crítica
EM MEIO AOS SAUDOSISTAS DA MONARQUIA e os recém empossados republicanos também havia os católicos, que julgavam o positivismo uma seita. Não foi difícil surgir uma onda de críticas à nova bandeira. Uma polêmica que durou anos e dividiu os brasileiros em torno de seu símbolo nacional. Vejamos os principais pontos de discórdia na época.
Falhas heráldicas
A HERÁLDICA É um sistema de combinações de figuras e cores usado nos brasões, emblemas e insígnias desde a Idade Média. A bandeira foi muito criticada por fugir a esses padrões, comuns nos símbolos nacionais europeus. No Brasil, porém, as regras heráldicas não gozaram do mesmo prestígio que tiveram na Europa, uma vez que aqui não existiu Idade Média.
Desprezo da tradição
SEGUNDO OS CRÍTICOS, a nova bandeira republicana desprezava a tradição histórica ao esquecer o período monárquico, conservado até hoje nos símbolos pátrios de outras nações. O que é verdade apenas em parte, pois o verde e amarelo eram as cores do Império, além das figuras geométricas, o losango e o retângulo, cuja associação com minas de ouro e a floresta tropical só existiu de fato na bandeira imperial.
Erros astronômicos
O MODELO USADO para desenhar as estrelas na bandeira foi uma esfera celeste. Trata-se de um globo oco, em cuja superfície desenham-se as constelações, a linha zodiacal, os paralelos e meridianos celestes, fixando-se a Terra no seu centro.
A perspectiva geocêntrica se justifica: é assim que vemos o céu! Não percebemos que a Terra se move usando apenas os nossos sentidos. Pelo contrário, eles nos sugerem que Lua, Sol e demais estrelas se movem em volta da Terra; como se todos os astros estivessem sobre uma mesma superfície, a “abóbada celeste”, girando sobre uma Terra imóvel.
Na verdade as estrelas estão a diferentes distâncias e não sobre uma superfície no infinito. A simplificação usada nas esferas celestes vale-se dos nossos sentidos, que não percebem essa profundidade.
Por outro lado, se fôssemos mais rigorosos, representar um modelo do céu seria muito complicado. O uso da esfera celeste ainda é útil na chamada Astronomia de Posição, que estuda justamente o modo como percebemos o movimento dos corpos celestes.
Na bandeira, o círculo central representa o desenho dessa esfera, como se estivesse nas mãos de um artista, que a inclinou segundo a latitude da cidade do Rio de Janeiro no dia 15 de novembro de 1889, às 12 horas siderais, instante em que a constelação do Cruzeiro do Sul tem seu eixo maior na vertical.
O Rio de Janeiro era então a capital do Brasil. A data assinala a Proclamação da República e 12 horas siderais correspondem às 08 h e 14 min da manhã (a hora sideral é obtida a partir de uma equação que relaciona a posição do equinócio vernal, isto é, o início da estações, com o meridiano local, numa certa data).
É, portanto, um céu diurno. O Sol já está acima do horizonte e não é possível observar nenhuma estrela. Ainda que fosse, suas posições estariam invertidas, uma vez que observar o modelo de uma esfera celeste – ela que possui a Terra representada no centro – é como ver o firmamento “pelo lado de fora”.
Assim mesmo as estrelas não ocupam sua posição verdadeira na estampa. Não é possível, por exemplo, verificar todas as estrelas correspondentes à constelação do Escorpião, de tão erradas as suas posições.
Um caso à parte é a faixa com o lema “Ordem e Progresso”. Para a Astronomia não poderia ser o equador celeste e nem a eclíptica.
A estrela Spica (alfa de Virgem) figura solitária, acima da faixa, mas na realidade ela pertence ao hemisfério celeste Sul, enquanto Prócion, abaixo dela, pertence ao Norte.
Se a faixa representasse a Eclíptica novamente teríamos Spica abaixo dela e a estrela Graffias (beta do Escorpião) acima. Seria mais fácil imaginá-la como sendo a Faixa Zodiacal, e é exatamente esta a interpretação de Teixeira Mendes em sua Apreciação filosófica (“...por se tratar de uma constelação que tem parte acima e parte abaixo do plano da órbita terrestre...”).
Porém, para configurar o Zodíaco do ponto de vista astronômico, as estrelas Spica, Antares (alfa do Escorpião) e Gráffias deveriam situar-se no interior da Faixa Zodiacal.
Afinal, a bandeira está errada?
NA REALIDADE, ERRADO ESTÁ O MODO como a bandeira vem sendo explicada nas escolas – quando isso acontece. A bandeira do Brasil traz uma representação estilizada do firmamento, está mais próxima de um poema que de uma carta celeste. A respeito dos erros astronômicos, o próprio Teixeira Mendes argumentou:
“Não se tratava de construir propriamente uma carta do céu. Era preciso figurar um céu idealizado, isto é, compor uma imagem que em nossa mente evocasse o aspecto do céu, bem como os sentimentos que a evolução poética tem ligado a semelhante imagem.”
De fato, um aspecto geral do céu é facilmente percebido. O Cruzeiro do Sul se destaca, como queriam os idealizadores da bandeira, e a maioria não percebe que está invertido em relação à sua imagem verdadeira no céu, assim como as demais constelações.
Mas e quanto aos conhecedores da Astronomia? Para eles fica ainda mais fácil perceber a representação da esfera celeste. Não há falhas graves a serem corrigidas na bandeira do Brasil.
O céu foi desenhado aproximadamente à hora da proclamação da república, “para fixar-se perenemente o instante do nascimento da república[1]”. E também por causa do nome original “Terra de Santa Cruz” e ainda a lembrança da “Cruz de Aviz” e da “Cruz de Cristo” que foram usadas nos galeões de Cabral.
Projetos de reforma
O DECRETO-LEI que estabeleceu a nova bandeira republicana não foi bem recebido por todos. Em meio às vozes contrárias estavam Santos Dumont, Floriano Peixoto, o Visconde de Taunay e o Barão do Rio Branco.
Os motivos dependiam de cada um, desde os opositores do positivismo até os descontentes com o fim da monarquia. Alguns não somente reclamaram, propuseram projetos de reforma e, muitas vezes, bandeiras inteiramente novas. Esta página mostra alguns desses desenhos. Avalie você mesmo.
Projeto do Barão do Rio Branco
ESTE PROJETO NEM CHEGOU A SER PROPOSTO à Constituinte de 1890. A bandeira alternativa teria três listras em diagonal, representando as três raças, o índio, o branco e o negro. No centro um escudo azul com um sol nascente. Um escudo menor, verde, teria a esfera armilar de ouro sobre a cruz de Cristo.
Projeto de Júlio Ribeiro (1888)
APRESENTADO EM JULHO DE 1888 POR JÚLIO RIBEIRO, filho de norte-americano, este modelo copiava a bandeira dos EUA. Possuía treze listras horizontais alternando-se preto e branco, e uma cantoneira, onde figurava o mapa do Brasil e quatro estrelas, resumindo o Cruzeiro do Sul. Foi oficializada em 1946 como a bandeira do Estado de São Paulo.
Projeto de Oliveira Valadão (1892)
O PRIMEIRO PROJETO JURÍDICO FOI APRESENTADO em setembro de 1892. De autoria do deputado Oliveira Valadão e subscrito por mais 14 membros da Câmara, segundo ele seriam retiradas a esfera celeste e o lema "Ordem e Progresso", tão polêmico. As Armas da República ficariam num círculo central, de cor azul marinho.
Projeto de Wenceslau Escobar (1908)
O PROJETO DO DEPUTADO WENCESLAU ESCOBAR foi apresentado à Câmara em junho de 1908 e pretendia apenas suprimir a faixa com o lema "Ordem e Progresso". Segundo ele, para que a nação não tivesse que "guardar um estandarte com a divisa de uma seita".